Ou de como se pode fazer justiça sem luz, sem internet e sem aplicativos

por Jurema Cintra Barreto

advogada, militante de Direitos Humanos e atualmente blogueira nos minutos vagos


Muitos estão se preocupando como se comunicar sem o Whatsap. Bem, existem outros milhares de aplicativos de comunicação disponíveis, inclusive  o próprio Facebook tem milhares de funções. Mas a TV e a mídia apresenta um pânico absurdo é exagerado. Precisamos lembrar que se trata de uma empresa privada que está descumprindo a lei e uma decisão judicial, uma empresa privada que lhe fornece um serviço aparentemente gratuito, por que ganha bilhões em publicidade e com venda de dados, quando defendemos um aplicativo é bom ter a consciência que estamos defendendo uma corporação financeira bilionária que é o facebook, dono do aplicativo whatsap, então não existe nada de inocente nestas escolhas que fazemos, nas estratégias que eles utilizam de mobilização de seus usuários.

Mas o que fazer sem o uso de certas tecnologias que já nos acostumamos tanto?? Certo dia eu fazia uma audiência no finado Juizado Modelo da Uesc em Ilhéus na Bahia, e faltou luz. Era uma audiência simples de direito do consumidor, um acordo de 500 reais. Por conta da louca distribuição automática do Projudi- processo eletrônico, se você morasse em São Domingos poderia ter o risco de ter audiência no Salobrinho, quem conhece são bairros bem distantes. E aí o impasse. Eu advogava para uma micro-empresa, o autor da ação estava sozinho e louco para receber os 500 reais, como afirmei era um pedido simples e a empresa pagaria o que o autor solicitou. A conciliadora não pensou duas vezes, pediu nossos nomes, anotou, disse que iria fazer uma certidão assim que a luz voltasse e remarcaria a audiência a posteriori, eu receberia a comunicação on-line, era processo eletrônico, e o consumidor receberia a carta com a nova data. Teríamos de nos deslocar de novo por conta da paralisação do fornecimento de luz. A cara da conciliadora era de desespero, aguardamos um pouco mas os funcionários já se preparavam para sair e ir embora, sem luz tudo parava.

Daí que em meio aquele tumulto por causa da falta de energia fiz a seguinte fala:

Eu: Dra. Rita, a conciliadora, por que não usamos a tecnologia?
Ela: como assim?
Eu: uma tecnologia que revolucionou a sociedade, algo que marcou a história da humanidade, que nos fez evoluir enquanto espécie, algo tão extraordinário que era privilégio das aristocracias e reis, mas que hoje é um direito humano.
Todos me olhando sem entender.
Eu: A ESCRITA.
Todos: ahhhhhhh
Ela: mas e a cópia? Para as partes?
Eu: Dra, tem outro instrumento tecnológico que se chama papel carbono.
Fui eu em busca nas salas no departamento e colegiado de Direito, desci na xérox de seu Zé(o eterno) e voilá .
Dois papéis carbono na mão, redigimos a ata manualmente, e o autor voltou feliz da vida com seu direito atendido e uma viagem a menos.
Em tempos de bloqueio de aplicativos, relembrar de como chegamos aqui faz muito sentido e que sim, é bom utilizá-los mas não é o fim do Planeta, temos potencial criativo suficiente para nos reinventar ou reinventar o modo de utilizar as antigas tecnologias, um bom papo, uma ligação afetuosa para um amigo podem ser suficientes nestes dias de abstinência, palavra usada por especialistas, já que o vício por internet e redes sociais é considerada doença classificada pela Psiquiatria. Basta ver os milhares de memes sobre o bloqueio, com personagens surtados, frases de efeito, desespero e humor nas imagens para tratar de um assunto sério. Gosto de falar sobre consumo consciente e até no consumo de tecnologia temos de ser comedidos e ponderados. Para mim, que já estou liberta a algum tempo e para quem não leu fica a dica do meu artigo em que dei  Adeus ao aplicativo Whatsap. e até hoje não voltei e não me faz nenhuma falta. Com um e-mail ou um ligação de 2 minutos resolvo tudo que preciso sem ficar horas escrevendo em conversas infinitas e que me trouxeram uma tendinite desconfortável.