Ilhéus precisa Renascer
A noite desta segunda-feira, 22 de janeiro foi emblemática na cidade, telão na praça e grande expectativa para o primeiro capítulo da nova versão da novela Renascer da rede Globo. Uma novela tem uma preparação gigantesca antes de ser exibida. O texto original de Benedito Ruy Barbosa foi adaptado pelo seu neto, o também escritor Bruno Luperi. Para renovar e dar ar contemporâneo à narrativa, ele esteve no Centro de Inovação do Cacau- CIC , ou seja, ele foi beber da fonte da ciência, e ciência se faz com pesquisa, ensino e extensão.
Aqui estou há duas décadas, como uma ilheense de direito, pois recebi o título de cidadã, e, também fiquei em casa na grande expectativa; quando adolescente já amei a primeira versão pois meus pais já eram leitores vorazes e apaixonados por Jorge Amado, mas morando no sertão de Feira de Santana, tudo aquilo que via na tela era um mistério: barcaça? mel de cacau ? lida ? banderar cacau? secador ? cabruca ? que palavras eram essas ?
25 anos depois, um curso de Direito cursado dentro da UESC, a Universidade Estadual de Santa Cruz, no Meio da Mata Atlântica e da Cabruca, ativista ambiental e terminando um mestrado de Conservação da Biodiversidade, assisto a novela com mais entusiasmo ainda, um encantamento que toca fundo, pois agora respiro ares grapiúnas e compartilho as dores e desafios do povo sulbaiano.
Um trecho da fala do José Inocêncio jovem marcou-me na alma : “a gente não vai seguir a cartilha do governo, a gente vai seguir a cartilha da natureza”. Essa frase é disruptiva e pra quem vive em Ilhéus faz todo o sentido.
As cartilhas dos governos tendem a menosprezar a ciência, vilipendiar a natureza, descumprir regras clássicas dos direitos humanos e depois afirmar que todos os problemas ambientais são de “força maior”.
José Inocêncio fará sua fazenda Renascer, pois mudou suas ideias e ideais. Ideia errônea de que a natureza seria um recurso para ser extraído e não um ambiente a ser regenerado. Ideais para que a cultura do cacau não entre mais em colapso.
E colapso é bem o que o governo de Ilhéus sabe fomentar. Menosprezando que a cidade está no Bioma Mata Atlântica com alto índice pluviométrico, alta biodiversidade de fauna e flora, vilipendiando todos os conceitos de urbanização e mobilidade sustentável, descumprindo regras básicas de gestão e administração pública, a noite de RENASCER, foi um parto de horrores com as CHUVAS levando o pouco da dignidade que ainda nos resta.
Sem IDEAL, para adequação que leve à resiliência urbanística, são anos e anos de enchentes, dor e tormento. Um looping infinito de descaso, palavras vãs e insuficiência de ações do poder público. Inação é a palavra mais exata. Enquanto os coronéis de Renascer são gladiadores pelo poder em si mesmo, autofágicos, destruidores de reputações, na vida política contemporânea, a diferença é que podemos assistir o espetáculo em tempo real pelas redes sociais, novos e velhos nomes sem qualquer IDEAL, sem qualquer ideia que agregue.
A ideia da ciência ambiental não é lutar contra o bioma, ao contrário, temos de nos adequar às suas especificidades, com soluções baseadas na natureza, contudo uma cidade que sequer limpa seus bueiros e canais pluviais, não consegue falar em inovação.
Colapso, caos, chuvas, enchentes, lágrimas de famílias arrastadas pela lama, alma enlameada, depois do 1º capítulo da novela na segunda, vem o 1000º capítulo das chuvas na terça. É um looping infinito de desespero, de impotência, um mal estar generalizado.
A sensação é que a política de Ilhéus tem de morrer de morte morrida ou matada, para depois RENASCER sobre um frondoso tronco de Jequitibá e que Yroko abençoe essa terra adubada de sangue.
Jurema Cintra Barreto
Advogada e Ativista ambiental
Leia também: Mulher viajando sozinha ?