Com o Whatsapp descobri que não sou Deus
Depois que uma mãe colocou em uma rede social que não iria ser assistente pessoal de sua filha, quando criticou um Grupo de Whatsapp de mães do colégio em que a mesma estudava, fez muito sucesso e fiquei a refletir sobre seus motivos e associá-los à minha vida de advogada militante.
O grupo de mães trocava ideias de livros, lembravam dos deveres escolares, comentava sobre os professores, veja a matéria completa na BBC.
A filha não tinha mais responsabilidades , por que tudo os pais discutiam, sabiam de todos os eventos e faziam tudo por seus filhos que se tornaram coadjuvantes ao invés de protagonistas na sua própria educação. Noélia, a mãe, recebeu muitas críticas e muitos apoios, como tudo na pseudo-democrática internet.
Então me veio algumas reflexões sobre minha própria profissão de advogada e os famosos grupos de Whatsapp. Como qualquer pessoa de meu tempo participo de alguns, mas depois de muito tentar acompanhar as milhares de mensagens que vão desde temas jurídicos, irritantes mensagens de bom dia até o proselitismo religioso contumaz, descobri algo incrível.
Descobri que não sou Deus! Isso, descobri que não sou onisciente, nem onipotente, nem onipresente. Caros leitores, resguardando minha sanidade mental penso que em breve estarei me desconectando deste “monstro” que se tornou a rede social Whatsapp.
Nesta descoberta fantástica de que não tenho poderes sobrenaturais para ler tudo que me enviam, estar em todos os grupos ao mesmo tempo, acompanhar em tempo real as contra-producentes discussões jurídicas sobre o campeonato brasileiro, também descobri que não tenho como trabalhar 24 horas por dia para meus clientes que mandam mensagens “oraculares” as 11 horas da noite sempre com a mesma frase: “E aí, meu processo? Alguma novidade?”
Realmente eu fico curiosa em saber qual a novidade que posso dar a alguém às 23 horas a não ser o óbvio: senhor seu advogado precisa de uma boa noite de sono para produzir amanhã e trabalhar em seu processo. Uma amiga me confidenciou que até desliga o celular de noite, afinal se receber uma notícia ruim, como a morte de uma parente longe, o que ela poderá fazer? Sair de madrugada nervosa e sozinha numa estrada escura é que não vai acontecer.
Esta ideia de estarmos conectados o tempo todo de forma onipresente é falaciosa, os aplicativos sugerem isto, uma conexão extrema, uma presença constante, mas estranhamente pessoas que ficam muito tempo conectadas virtualmente estão cada vez mais desconectadas presencialmente. Comum vermos pessoas com 5000 amigos no Facebook e ninguém para tomar um sorvete no fim de semana. Conversamos com estranhos na internet e não damos bom dia à ascensorista do elevador que vemos todos os dias.
No caso dos Grupos de Whatsapp de advogados e advogadas as discussões jurídicas que deveriam ser saudáveis já geraram inimigos mortais e até ameaças de processos reais. Mas o que mais se assemelha aos caso do desabafo da mãe espanhola que se recusava em ser assistente da filha? É que os grupos viraram exatamente isto, assistente de advogados. Perguntas do tipo: Alguém tem o telefone de Dr. fulano? Alguém tem este modelo de petição? Alguém sabe se o fórum vai abrir hoje? Qual juiz está na Vara hoje? Qual o endereço do Juizado? Entro com liberdade provisória ou HC? Tudo isso poderia achar no Google ou no site da OAB ou numa simples ligação ou nos livros, mas por que quero perguntar a um grupo de 100 pessoas? Por que quero encontrar esta informação trivial na mente de 100 pessoas? Por que devo dar estas respostas à perguntas preguiçosas?
É certo que tais ferramentas são extremamente úteis e melhoraram muito nossa comunicação, o escritor Humberto Eco afirmava, no início da expansão da internet, que superar o lixo virtual era o grande desafio, quase 90% do que vemos ou temos acesso é absolutamente inútil.
Pouco vemos de trocas de ideias e experiências que nos tragam algo de novo. Não sou oráculo por isso ando cansada de grupos de Watsapp. Não sou assistente pessoal de ninguém, não sou Deus, não sou Oráculo e o mundo real do direito está lá “fora da casinha” para ser vivido e experimentado.